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Ornitorrinco entrevista

Rafucko

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Rafucko – o que esse nome te incita? Para nós do ORNITORRINCO esse nome excita muitas coisas. Foi assim que partimos pra o bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, a fim de entrevistar o videomaker, diretor, escritor, editor, performer, VJ, twitteiro, sobre o seu trabalho, que está sempre dialogando com os últimos acontecimentos do país.


Há muito tempo que Rafucko trabalha com jornalismo, vídeo e humor, mas foi com a explosão das grandes manifestações de 2013 que nós conhecemos o seu trabalho. Vídeos com milhares de visualizações se espalharam pela internet. Sempre se utilizando de um humor inteligente para falar das tensões e polêmicas que nos cercam, a linguagem do Rafucko nos seduziu.

Seu novo desafio é um Talk Show no qual entrevista grandes figuras como o deputado Marcelo Freixo. Sua meta final é conseguir que o nosso prefeito Eduardo Paes sente-se ao seu lado para ser entrevistado e debater as questões da cidade. Mas o ORNITORRINCO gosta é de inversão de papéis, sendo assim hoje, é o entrevistador quem responde às nossas perguntas.

Entrevistadores: Domingos Guimaraens, Gabriel Pardal e Vitor Paiva.

Produção: Gabriel Pardal e Letícia Novaes.

Transcrição: Gabriel Pardal e Vitor Paiva.

Colaboração: Júlio Reis.

Fotos: Camilo Lobo.

DOMINGOS:  Tá gravando? Vamos começar assim de bate pronto com uma pergunta que a família brasileira quer saber. Vai ter Copa?
 

RAFUCKO: Cara, eu acho que já não tá tendo Copa. Esse grito “Não vai ter Copa”, ano passado talvez algumas pessoas até tenham levado a sério, mas acho que é muito mais simbólico. Em 2013 teve Copa das Confederações aqui, mas pense em um livro de História no futuro: o que foi 2013? Foi o ano das manifestações. Junho de 2013 foi a marcha de um milhão. Ou seja? Não teve a Copa das Confederações.

PARDAL: Na minha opinião a marcha de Junho de 2013 foi mais Copa do que a Copa. Eu ali estava torcendo mais pelo Brasil do que vou torcer agora.

 

RAFUCKO: Exatamente. E ainda agora acho que não está tendo. A seleção chegou no Rio e a notícia foi de que os professores estavam fazendo uma manifestação no aeroporto. Por mais que tenha tido todas as abordagens possíveis, a notícia foi essa, a capa do Globo foi essa. Se a capa do Globo não é a Copa, mas sim o protesto, então…
 
VITOR: Isso que você falou já é muito simbólico, de que é um evento “da FIFA”. A Copa é um evento da FIFA. Obviamente tem a comoção brasileira, mas é um evento privado.

 
PARDAL: Tem um amigo da gente, o poeta Pedro Rocha, que diz que a Copa vai começar mas não vai acabar. 
 
RAFUCKO: É uma possibilidade.
 
PARDAL:  Você vai torcer pela seleção brasileira, assistir os jogos?
 

RAFUCKO: Acho que tenho melhores coisas pra fazer. Essa vibe de patriotismo não me convence mais, acho até meio deprimente.

VITOR: Dá pra...

 

RAFUCKO: Só uma coisa: eu falo muito, então vocês podem me interromper. É que eu não tenho dinheiro pra pagar psicólogo, aí quando dou entrevista eu desabafo (risos).

 

VITOR:  Dá pra viver de internet?

 

RAFUCKO: Eu não sei explicar como viver trabalhando na internet, mas sei explicar

como viver com pouco dinheiro (risos). Como economizar, fazer umas compras baratinhas... (risos)

 

PARDAL:  Você sempre foi para as manifestações como midiativista e videomaker?

 

RAFUCKO: Eu vou como eu mesmo, Rafael, que é a mesma coisa que Rafucko. Não é um personagem. Mas sempre fiz vídeo com temática política, e, com o tempo, as próprias manifestações viraram o grande acontecimento político dos vídeos.

 

DOMINGOS: Fizeram uma pesquisa em vários lugares do mundo, perguntando: se você fosse preso por alguma autoridade do seu país, teria medo de sofrer tortura? E no Brasil, 85% das pessoas responderam que sim. Você foi preso uma vez durante as manifestações do ano passado. Queríamos que contasse um pouco como foi. Sofreu algum tipo de violência?

 

RAFUCKO: A gente estava protestando na casa do governador Sérgio Cabral. Foi aquele protesto que quebraram a loja da Toulon e o bairro do Leblon inteiro ficou em chamas. Fomos andando, vendo o que estava acontecendo e acabamos em Ipanema, na frente da casa do José Beltrame (Secretário de segurança do RJ). Era tarde da noite, tinham umas 100 ou 200 pessoas. A polícia chegou e começou a jogar jato d`água, a atirar em todo mundo, perseguindo os manifestantes. De repente estavam do meu lado e eu tive que me abaixar no chão. Acho que é bom a gente começar a dar os nomes certos para as coisas. Eu sofri tortura como todo mundo que está na rua cheirando gás lacrimogênio, porque aquela substância é tóxica, como o spray de pimenta. É uma agressão física. E sofremos tortura psicológica, do cara mandar você arrastar a sua cara no chão, te chamar de viado, falar que vai enfiar o pau dele, que é do tamanho de uma coluna, no seu cu – que poderia ser uma coisa boa, se fosse com consentimento (risos).

 

DOMINGOS:  Sem carinho não dá! (risos).

 

RAFUCKO: Aí botaram a gente na viatura e trouxeram a camisa que eu estava usando. Uma camisa rosa, porque eu estava de Pink Block nesse dia, aí implantaram pedras portuguesas dentro da minha camisa. Isso também é uma tortura psicológica e moral, me acusarem de uma coisa que não fiz, e na minha frente. Foi um constrangimento. No fundo eu sabia que não ia sofrer tortura mais grave porque fui preso em Ipanema, sou branco, tava com roupinha de playboy, sei que esses policiais tem noção da realidade dessa cidade. Mas ficava imaginando se fosse com outra pessoa, da favela, a viatura parando na Avenida Brasil, sem ninguém...

 

PARDAL:  Eu não acharia surpreendente se amanhã tivesse a manchete do garoto branco de Ipanema morto pela polícia.

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VITOR:  Você ficou com a ficha suja? Há um processo relativo a essa prisão?

 

RAFUCKO: Não. Mostrei o vídeo pra delegada nesse dia. Nós íamos ser enquadrados por formação de quadrilha, mas depois do vídeo ela chamou os policias do choque e a gente foi liberado sem nem pagar fiança.

 

VITOR: Uma encenação.

 

RAFUCKO: Totalmente. Quando saí a advogada me entregou a camisa que a delegada tinha devolvido. Então, ainda houve o consentimento da polícia civil! Com certeza ela entendeu o que aconteceu, porque recebeu uma trouxinha de pedras portuguesas e me devolveu a prova. Ela deveria ter insistido, questionado os policiais do por que eles terem chegado com aquelas pedras. Não falei nada porque dei mole, tudo o que eu queria era ir embora. Eu não tenho muito esse desejo punitivo, apesar de achar que eles são perigosos pra sociedade. Sinto mais falta de uma atitude concreta grande, que mude esses procedimentos normais na polícia. Eles trabalham numa instituição, uma corporação criminosa. Tem monstro em tudo que é lugar, na polícia, no hospital, minha vizinha é uma monstra, mas o que a gente pode mudar é como a instituição funciona.

 

PARDAL: Você acha viável existir uma boa polícia?

 

RAFUCKO: Acho que tem que ser viável. Detesto a ideia de polícia como um todo, mas a gente vive num mundo que talvez precise sim de pessoas preparadas. A polícia militar tem regras que são exclusivas pra ela, que facilitam que eles cometam crime, que saiam da lei sem serem punidos. É preciso que tenham treinamento psicológico, pois vão se colocar em situações extremas. E que tenham também formação política. Como pode ter uma polícia que torce pela proibição das drogas? É uma situação que os colocam de frente com caras armados com fuzis. Querem brincar de tiroteio, mas estão colocando a sua vida e a de um monte de gente em risco. É preciso pensar sobre isso e melhorar o salário, pois é uma vida difícil.

 

DOMINGOS:  Está tramitando o projeto da PEC-51, do Luiz Eduardo Soares, que é um projeto muito interessante mas foi apresentado pelo senador Lindberg Farias. O que você acha dessa proposta, apesar dessa contradição?

 

RAFUCKO: Eu achei muito legal o Luiz Eduardo Soares dizer que a PEC-51 é maior do que qualquer projeto político. Não vou apoiar o Lindberg por causa disso, mas vou apoiar a pauta da desmilitarização, pro Lindberg, pro Garotinho, pro Crivella, pra todo mundo que sou contra, porque essa PEC é maior do que isso. O cargo é nosso e não deles. Então vou levar sempre todas as pautas que eu tiver pra todo mundo.

 

VITOR: Então você convive bem com as contradições da política?

 

RAFUCKO: Essas pessoas existem, isso é um fato, e a gente tá vendo que é muito difícil mudar. A opção é aprender a conviver com eles. Ano passado vi muita gente gritando “Sérgio Cabral tem que ser queimado na fogueira”. Como assim? Aí só trocou o bandido que quer que o outro morra, porque o Cabral também está falando que traficante tem que ser queimado na fogueira. Acho que o Cabral tem que ser muito bem tratado, só que dentro da cadeia (risos). Tem que conviver igual com todos os presos, purê de batata, saladinha. Todo mundo tem que ser bem tratado, só que ele representa um perigo pra sociedade e a gente precisa ressocializar ele (risos).

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VITOR: De junho de 2013 pra cá a gente nota uma onda libertária, que quer fazer o país progredir, ao mesmo tempo há uma enorme onda reacionária, conservadora.
 

DOMINGOS: Será que essa onda reacionária é uma resposta à onda libertária? Ou somos mesmo conservadores e isso agora só está mais visível?
 

PARDAL:  A pergunta é: qual é a onda? (risos).
 

RAFUCKO: Eu acho que são as duas coisas. Sempre existiu no Brasil o pensamento de que "bandido bom é bandido morto". Mais do que uma onda, é uma saída de armário coletiva. Quantas pessoas a gente conhece que vemos nas redes sociais postando uma coisa que você nem imagina? As pessoas estão se sentindo na obrigação de dar uma opinião. Eu acho sim, que quanto mais se avança em liberdade, as pessoas que são contra vão mostrar seus extremos.

 

DOMINGOS: Já que estamos falando em reacionários, como foi a questão com o Reinaldo Azevedo? Ele te fez uma acusação que saiu na Veja, (O colunista Reinaldo Azevedo acusou Rafucko de utilizar em uma performance um manequim roubado da loja da Toulon durante uma manifestação) a polícia foi atrás de você, te intimidou a depor, e isso tava dentro de um processo contra o (Delegado Orlando) Zaconne... (O delegado Orlando Zaccone foi chamado a dar explicações sobre sua participação em protestos e sua ligação com pessoas suspeitas de cometer crimes em manifestações) Como foi essa situação toda?
 

RAFUCKO: A gente tem que separar o reacionário do idiota. Eu ia falar “criminoso”, mas nem todo idiota comete crimes. Uma coisa é um colunista falar que é a favor do livre mercado e que tem mesmo que privatizar o Maracanã, etc... Isso a gente discute na base da política. Essa notícia do Reinaldo Azevedo contra o Zaconne é apenas uma destilação de ódio. É muito impressionante esse artigo. Eu li na época e nunca respondi, nunca reverberei porque não tinha nem como responder. De repente, no artigo, surge uma foto minha com um manequim de uma performance que eu fiz, um manequim feminino, e o manequim da Toulon era masculino...

VITOR: E o manequim era de outra cor, não era?
 

RAFUCKO: É, era de outra cor. Inclusive o dono da Toulon foi convocado pra dizer se era o manequim roubado da sua loja. Mas é uma doença, porque esse cara inventou tudo. Ele não tem de onde ter tirado essas informações.
 

DOMINGOS: Ele é um mau jornalista.
 

RAFUCKO: É isso que eu quero dizer. Não é que haviam dúvidas de que eu teria roubado o manequim. Porra, um jornalista! O mínimo que ele deve fazer é conferir se é o mesmo manequim!

 
VITOR: É só comparar duas fotos, né? Não é exatamente algo complicado.
 

RAFUCKO: Pô, um mínimo de pesquisa, sabe? Esse cara é um idiota. Não é uma questão ideológica. Com pessoas de direita ainda tem uma discussão. Agora, com esse cara... Ele, Rodrigo Constantino, são palhaços. É tipo o Jair Bolsonaro. É um palhaço, um personagem. Só que é uma pena que eles tenham o poder de penetração, de mídia, político, que acabam resultando em danos reais para muita gente. Eles inviabilizam vários debates. Como é que vamos debater tudo que eu falei se um cara inventa que roubei o manequim? Aí a discussão se torna se estou usando um manequim roubado. Eu vejo a Veja como um veículo de ficção e o Reinaldo Azevedo como um artista.
 

VITOR: Ele é um péssimo jornalista e um bom artista então (risos).
 

RAFUCKO: Eu só quero que a Veja declare, “a coluna de ficção de Reinaldo Azevedo”.

 

VITOR: E ele se retratou?

 

RAFUCKO: Jamais, jamais. Um cara desses provavelmente ainda vai escrever um dia que eu sou “aquele que roubou o manequim”, no dia em que for falar de mim. 

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DOMINGOS: E quando vai chegar a ditadura gay, pra dominar esse país? (um dos personagens de Rafucko é o Ditador Gay). Como seria e o que prega essa ditadura? (risos)

 

RAFUCKO: Eu já vivo a ditadura gay (risos). Pra mim ela é muito real. Um dia eu fui na parada gay de São Paulo, panfletar pela ditadura gay. Eu fui sozinho e tava andando e comecei a pirar, tipo “Tá, eu sou o ditador gay e estou panfletando. Tenho que interpretar” e comecei a entrar numa viagem de que eu era o ditador gay. Tudo bem, é uma ditadura que só uma pessoa acredita, mas tem gente que acha... (pausa) Um dia eu tirei uma foto com o Jean Willys, dando um prêmio pra ele, e falei: Jean Willys recebeu a honraria da ditadura gay, pelo seu trabalho no ministério de defesa homossexual. E tem gente que comenta, “Ministério de defesa homossexual? Que absurdo! Realmente, não tem mais onde gastar o nosso dinheiro!”. Então existiu a ditadura gay naquele momento para aquelas pessoas. Por mais que seja engraçada, e é, e tomara que seja, porque eu jamais vou querer instaurar uma ditadura de paredão de fuzilamento. Então é uma ditadura da zoação, da piada. Gosto muito de usar esse termo, “ditadura”, porque realmente não quero discutir casamento gay com a “visão oposta”. Não quero ouvir a “visão oposta” sobre se a homofobia é crime. É crime. Eu quero realmente que essa lei e que o casamento gay passem sem debate. Porque é um direito meu, não invade a vida de ninguém, então não vou perguntar pro Bolsonaro o que ele acha. Ele tem o direito de ter a opinião dele, mas o meu direito eu quero independente do que ele acha. Podiam ser duzentos milhões de brasileiros falando que não querem. Se eu quiser me juntar com um cara e fazer um contrato de casamento, vou sozinho falar: eu quero esse direito aprovado. Então, nesse sentido, é ditadura.

 

VITOR:  Ninguém é obrigado a casar com você, afinal (risos).

 

RAFUCKO: Ninguém, ninguém.

 

VITOR: Não tem muito como não voltar ao assunto das manifestações. Resta uma certa sensação de que as manifestações de Junho de 2013, aqui no Brasil, não teriam dado em nada, ou não teria ficado claro o resultado. O preço do ônibus subiu depois... Como você sente isso? O povo perdeu?

 

RAFUCKO: Eu sou muito contra essa ideia de que não tem foco. Quem foi viu que só o que tinha era foco. Se tinha um milhão de pessoas na Candelária, tinha um milhão de focos, porque cada um trouxe a sua luta. Realmente acho que no caso da passagem de ônibus a gente perdeu. Mas vai aumentar de novo ano que vem, e no outro, e no outro. Então a luta continua. Em termos gerais, desde 2013, todos estão discutindo isso. É um ganho muito grande. Tá todo mundo na mesma fala e eu acho que isso é o ponto inicial. É daí que a gente tem que partir.

 

VITOR:  Mas aconteceu de estar na manifestação, olhar pro lado e pensar: “Esse cara aqui do meu lado é meio nazista! Eu não quero marchar com ele”.

 

RAFUCKO: Tinha uns cartazes, “Fora Dilma sapatão”. Mas eu ia conversar, “Olha, você entende o que você tá dizendo? Você tá pedindo pra ela sair por que ela é sapatão?” “Não, é que...”, “Então, poxa, escreve outra coisa...”.

 

VITOR: Havia também, no Rio ao menos, um certo clima de festa que deixava uma dúvida sobre se aquilo não estaria esvaziando um pouco a causa. Você não acha que essa adesão irrestrita, essa sensação estranha de marchar ao lado do nazista, não esvazia o efeito da coisa?

 

RAFUCKO: Eu fico preocupado. Tem que tomar cuidado. Não vou marchar do lado de um nazista. Mas curto esse clima de festa. Prefiro ir numa manifestação em que as pessoas socializam e bebem cerveja do que numa manifestação que fica todo mundo com cara de bunda (risos). A gente ficou muito tempo achando que política era uma coisa chata e a parte legal da vida era outra. Quero fazer lutas políticas e talvez a maioria das mudanças que peço eu não vá ver em tempo de vida. Então eu quero me divertir durante.

 

PARDAL: Você acha que é bom as manifestações não terem uma liderança?

 

RAFUCKO: Acho que sim, porque havendo uma liderança corre um grande risco de se tornar uma só voz. Se você pegar todos os gritos, desde o cara que pede pela intervenção militar até o cara que fala contra as remoções, todos têm em comum que ninguém está se sentindo representado. Então talvez tenhamos mais em comum do que a gente pensa.

 

DOMINGOS: Durante as manifestações, a presença dos partidos políticos foi muito rechaçada. Como lidar com essa crise generalizada? Então nada me representa, mas e aí? A gente tem um sistema político democrático representativo onde os partidos também tem uma função, são importantes. Como é que se lida com isso?

 

RAFUCKO: Cara, nada me representa. Mas se alguém acha que o PSTU o representa, eu tenho que respeitar, por mais que não concorde. Realmente, ver uma bandeira do PSDB nas manifestações é puxado. Porque é uma bandeira que nunca esteve ali. Quando tem um milhão de pessoas ela surge pra falar “Fora Dilma”. Pera aí, não vem com essa, não vai colar. Tal qual a Globo falar “Belas manifestações de Junho”. Não, não. Vamos recapitular que em maio ou mesmo em junho a Globo estava falando que não era bela. Então acho que é muita falta de respeito com o PSTU ou com o PSOL, porque em toda manifestação que fui, mesmo as que tinham vinte pessoas, essa bandeira estava lá.

 

VITOR: Você falou da Globo e eu me lembro do mal estar que me provocou ver o William Bonner ensinando o “verdadeiro manifestante” a se comportar nas manifestações. O que podia e o que não podia fazer...

 

RAFUCKO: E um dos gritos mais altos das manifestações era “A verdade é dura. A Rede Globo apoiou a ditadura”.

 

VITOR: Mas isso não apareceu no Jornal Nacional.

 

RAFUCKO: Mas eles tiveram que falar sobre, em vários momentos. Se justificaram, fizeram um editorial no jornal O Globo...

 

VITOR: Muito duvidoso aquele editorial.

 

RAFUCKO: De qualquer forma ecoou a ponto deles terem que se posicionar. Esse e o grito “Não vai ter Copa”, me lembro que eram muito altos. Ah, e também “Cabral, vai tomar no cu” (risos). 

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PARDAL: As eleições estão chegando aí e gostaríamos de saber se você quer se posicionar sobre seu voto, quais as suas expectativas...

 

RAFUCKO: Não faço ideia em quem vou votar. Acho muito desesperador que em Outubro será eleito ou o Aécio, ou a Dilma, ou o Eduardo Campos. Eu não voto com vontade em nenhum desses. Acho que o pensamento é muito maior do que as eleições. Porque eleição é importante em um cenário ideal, em que você vota pra expressar ideias e facilitar os tramites burocráticos. Mas não é normal ter que escolher entre essas pessoas. Pra mim, o Garotinho ganhar não é tão diferente do Lindberg, porque as minhas pautas vou continuar levando pra todos eles. Uns são muito piores do que os outros, mas se é pra escolher o menos pior, então foda-se.

 

DOMINGOS: Ainda sobre essa narrativa que foi construída pela grande mídia a respeito das manifestações, que dizia “uma manifestação que começou pacífica e que terminou com uma minoria de vândalos...”, eu te pergunto: você é um vândalo? O que é ser um vândalo?

 

RAFUCKO: Eu não quebro nada e não acho que minha opinião importe sobre isso. Mas o que me incomoda muito é pegar uma pessoa que quebra um vidro e jogar na mesma discussão sobre se a polícia deve cometer crimes ou não. Não, a polícia não pode cometer crimes. Essa pra mim é a primeira discussão. Não misturar essas coisas.

 

VITOR: Quando o estado comete um crime é diferente de quando um cidadão comete um crime.

 

RAFUCKO: Exatamente. Eu fui preso, fui retratado pela mídia em vários momentos como vândalo, então oficialmente eu sou um vândalo (risos). Então, ok, se é disso que vocês querem chamar, podem me chamar. Acho importante a gente enfraquecer esse termo. Você não pode taxar todo mundo de uma coisa que não é, sabe?

 

PARDAL: Você acha que os Black Blocs ajudam ou atrapalham o movimento?

 

RAFUCKO: Cara, eu já li um pouco sobre o Black Bloc e é uma coisa muito mais complexa. Tem uma ideia política por trás. É óbvio que falar de Black Bloc na Alemanha dos anos 90 é uma coisa, e no Brasil em 2014, é outra. Um cara que joga pedra na polícia alemã necessariamente não é igual a um cara no Rio de Janeiro que se mascara e joga pedra na polícia que matou a família dele na favela, porque Black Bloc no Brasil tem desde o cara da favela até o cara do Leblon.

 

VITOR: Você acha então que eles não podem ser vistos como um só personagem?

 

RAFUCKO: É. São indivíduos. Mas é muito bizarro que você pare o Jornal Nacional pra discutir o Black Bloc que quebrou o vidro de um banco ao mesmo tempo que tem um milhão de pessoas na rua gritando contra a máfia dos ônibus... Como não se tem dez minutos de Jornal Nacional falando sobre isso? Como que o vidro quebrado de um banco é maior do que qualquer uma daquelas pautas?

 

PARDAL: Apesar de todas as mil redes, a gente ainda vive o monopólio da comunicação com a Rede Globo no topo de tudo. Você imagina alguma alternativa pra isso? O Youtube, a internet, tem o mesmo poder?

 

RAFUCKO: A internet é um meio diferente, mas o Youtube, o Google e o Facebook reproduzem um pouco dessa lógica. Eles tem o controle de muita coisa e podem censurar o quanto eles quiserem, são empresas privadas que têm o lucro como base de tudo. À Globo interessa muito fazer uma matéria que defenda o patrocinador do Jornal Nacional, que é o Bradesco. O Jornal Nacional é “Oferecimento: Bradesco”. Então, pra Globo é mais importante proteger o Bradesco e o candidato que vai facilitar os tramites políticos dela, que vai dar benefícios pra ela. Na internet, o Google e o Facebook também têm seus interesses. É uma dinâmica diferente, um meio diferente, mas a internet não nos fez livres agora. E em algum momento pode ser até mais cruel, porque o Facebook e o Google não dependem de concessão pública. O lado político deles é 100% comercial.

 

PARDAL: Você gostaria que a Globo acabasse?

 

RAFUCKO: Não, acho que a Globo tem que existir. Ela tem uma estrutura técnica fabulosa.

 

PARDAL: Você trabalharia na Globo?

 

RAFUCKO: Hoje não, porque tem muitas coisas que eu discordo e me sentiria desconfortável em doar o meu talento, ou a falta de (risos). É uma organização criminosa, uma máfia e não me sentiria confortável em dedicar a minha vida, o meu esforço, à uma máfia. Mas já trabalhei pra Globo. As pessoas também precisam comer, pagar seu aluguel, e no mundo de hoje alguma concessão você tem que fazer. O problema é a manipulação. É como a história da escravidão na Zara, ou as condições de trabalho nas fábricas da Apple. O iPhone é uma coisa muito boa, a gente tem que poder usar o iPhone sem que se use trabalho escravo pra que ele seja feito.

 

DOMINGOS: Você está em campanha pra conseguir entrevistar o Eduardo Paes. A gente lembrou da entrevista que a Mídia Ninja fez com ele e que acabou tendo um efeito duvidoso, parecendo ter sido bom pra ele. A mídia ninja foi muito criticada. O que você faria de diferente na sua entrevista?

 

RAFUCKO: Eu quero perguntar sobre ideias, coisas que vejo na cidade, coisas que vivi, ideias que já troquei com pessoas. Quero conversar com ele porque tenho que conviver com ele. Tem que ser possível esse diálogo. Ele tá ocupando um cargo que é meu também. Ele não tem uma hora pra falar com a sociedade civil?

 

PARDAL: O grande foco do momento das manifestações é a Copa do Mundo. Se a Copa acabar, ou não acabar, quer dizer, terminar antes de acabar, como disse o Pedro Rocha, e se o Brasil for campeão, você acha que isso vai adormecer o espírito das reivindicações?

 

RAFUCKO: Eu acho que pode ter uma influência no ânimo das pessoas, mas as questões são muito maiores que o futebol. Até o mais fanático por futebol, no dia seguinte, Brasil ganhando ou não, continua pegando ônibus, tendo que pagar muito do salário dele em impostos.

 

VITOR: Você acha que o passo dado em Junho de 2013 não tem volta?

 

RAFUCKO: Não tem volta. A gente já não está no mesmo lugar. Pensa quantos coletivos de mídia independente se organizaram de um ano pra cá. Há menos de um ano meu canal no Youtube e minha página no Facebook tinham 6.000 pessoas, hoje têm 46.000. Não tem volta. Tanto pro bem quanto pro mal. 

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Domingos, Rafucko, Pardal e Vitor

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