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O caminho das formigas

*Publicado no Ornitorrinco em 20/01/13

Se esfregarmos com o dedo a superfície do caminho das formigas, elas se perdem, tontas, por alguns instantes. Logo retomam seu rumo, é verdade, mas por esses segundos poderemos nos sentir como o inclemente deus mimado que as controla. Dizem que se arrancarmos os bigodes de um gato, ele também perderá a bússola, mas isso nunca tentei nem tenho planos. 

 

E fim. Esse texto poderia terminar aqui, em um aguado retrato de mão única, feito uma colherada de xarope. Ainda que a namorada ou o namorado lhe implorem perdão de joelhos e lhe ofereçam verdadeiros tratados revolucionários sobre sonhos encarnados em um futuro próximo – e ainda que você os aceite, e que o sonho venha – o fato é que eles, assim como nós, só se transformarão se quiserem, por si e para si.

 

A boa notícia é que trata-se de uma boa notícia. A vida não é moleza em aspecto nenhum. Tocar piano, aprender a dirigir, conduzir um casamento ou uma vida plena de solteiro, criar os filhos, escrever uma página, lutar na guerra ou cozinhar arroz - para coisa nenhuma existe Mastercard.

 

Mas tem aquele disco do Nirvana que você ouviu na adolescência. Aquele poema do Gullar, aquele romance insuperável, aquela discussão de mesa de bar que você acha que venceu. Sim, tem. E tem os quatro rapazes de Piracicaba, que formaram a banda mais genial da história da música popular, mas que ninguém nunca ouviu. E tem Bin Laden, tem os assassinos do grande John Lennon Kennedy Gandhi Luther King Jr., tem os enlatados americanos e o último homem-bomba romântico do mundo, que se explodiu nesse exato instante. Tudo existe.

 

Christopher Hitchens, escritor e jornalista inglês, famoso por sua ferrenha luta contra as religiões, certa vez declarou não ter absoluta certeza se erradicaria todas as religiões formais do mundo, caso amanhecesse com tal poder, pois assim perderia também seu maior prazer, de justamente debater esse assunto. Eu, toda vez que termino um relacionamento amoroso, assino embaixo de mim mesmo que jamais me enroscarei novamente em um namoro careta sob os moldes de sempre. E sempre o faço. Mas, como Hitchens, não acredito em deus ou destino, o que nos dá a ligeira vantagem de crer que as mudanças possam ser invisíveis, infinitas, improváveis, imprevisíveis - e até para o melhor.

 

Ainda assim, diante da pergunta sobre se alguém pode transformar alguém, a mais triste, neo-liberal e capitalista resposta possível é a única que me ocorre. Nesse caso, o mercado dos desejos individuais regula a coisa toda, e só existe a iniciativa privada. Contudo, podemos sempre tentar arrecadar cem milhões de reais para finalmente montarmos Revolução – O Musical –, e mudarmos o curso da história ou ministrarmos um curso sobre como mudar tudo sem mudar coisa nenhuma.

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