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Feliz ano novo, de novo

*Publicado no Ornitorrinco em 26/12/13

Penso em como seria um mundo que não contasse o natal, ano novo, feriados, nem dias da semana, meses e anos – e se voltássemos no tempo, de ontem a ontem, chegaríamos a uma quarta-feira, meia noite em ponto de um 31 de Dezembro em plena era paleolítica, quando o homem das cavernas descobriu o que era vida, morte, amor, poema, e suspirou pela primeira vez?

Mas esses parágrafos estão sendo escritos em mais um dezembro, cara a cara com outro ano por vir, e o fato do fim de ano ser uma mera invenção, besta como uma pistola de água, não diminui seu poder de influencia – ou o que dizer da religião, por exemplo, tão inventada quanto apontar valores diferentes para meses, dias e anos, e nem por isso menos influente em nossas vidas? Por mais que se possa sonhar com atravessar a meia noite do dia trinta e um do doze dormindo ou tomando banho, a verdade é que é quase impossível driblar o efeito dessa época sobre nós.

O Natal não conta. Ainda que não fosse ateu, sabemos que não foi no dia 25 que Jesus nasceu, se é que nasceu, e que essa data se tornou mais importante para a indústria e o comércio do que para a mais fervorosa das senhorinhas católicas. Sendo assim, aproveito a formalidade para simplesmente abraçar e beijar mais uma vez os parentes e amigos que costumo abraçar e beijar durante o ano.

Porém, fim de ano não é moleza. A obrigação de ser feliz diante da péssima ideia de contabilizar o ano que passou frente a um ano que vai começar costuma anuviar tanto a avaliação do passado quanto o desejo sobre o futuro. Seria melhor pra todos que comemorássemos o réveillon em Julho e seguíssemos com o ano, avaliando o que já foi tendo ainda seis meses para salvar qualquer expectativa sombria.

Pois basta o mês de Agosto despontar para que a assombrosa questão ressurja, infalível: o que você vai fazer no ano novo? Em protesto solitário e inócuo, invariavelmente respondo que não sei, não quero saber, tenho raiva de quem sabe. Protelo essa decisão até o mais indesejado em cima da hora. O drama, porém, se dá justamente pois, quanto mais perto chego do ano novo, mais me lembro que ele não é irrelevante. Quando percebo, contrariado e resignado em minha derrota, que gostaria sim de fazer algo especial no réveillon, todos os quartos do mundo com vista para o mar ou a montanha já estão ocupados há meses. O pânico se instaura, suculento, e o mais cínico dos descrentes passa então a procurar desesperadamente por um programa redentor.

E ele nunca vem, pois expectativa boa de verdade tem que ser insuperável. Mas essa é a parte boa. Claro que não acho que o que fazemos à meia noite da virada do ano serve como metáfora ou símbolo de coisa alguma para o ano seguinte, mas o fato deu todo ano tentar fingir que o réveillon não existe, ou não importa – e me atrasar para decidir sobre o que farei nessa data querida - me fez redimensionar a ideia de felicidade para o dia trinta e um. Não preciso saltar de paraquedas ou estourar uma garrafa de champanhe diante de uma cachoeira secreta para me satisfazer. Bastam boas companhias e um manancial alcóolico suficiente para que a noite da virada seja próspera. Entrar em um novo ano lembrando que a felicidade jamais vem engarrafada e rotulada me parece um ótimo princípio – e eis que o réveillon se torna, pelo avesso, finalmente metáfora para a vida.

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